Alesc inicia mobilização contra a criminalidade no limite de São José e Florianópolis

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A Assembleia Legislativa do Estado de Santa Catarina deu um passo inicial na busca por uma solução para o problema da falta de segurança nos bairros Kobrasol e Campinas, na cidade de São José, região que fica no limite com Florianópolis. Em uma audiência pública que reuniu moradores, as polícias civil e militar, o Ministério Público, representantes do comércio, dos poderes Executivo e Legislativo dos dois municípios e das pessoas em situação de rua, ficou decidido que os setores envolvidos devem realizar ações conjuntas para o enfrentamento da situação.

Proponente do evento, o deputado Bruno Souza (Novo), que é membro da Comissão de Segurança Pública da Alesc, levou em consideração as indicações de vários dos participantes para dar como encaminhamento a continuidade do assunto. Durante os debates ficou claro que comerciantes e moradores têm a sensação de que os crescentes assaltos, furtos e roubos que vêm acontecendo seriam realizados por pessoas em situação de rua. O argumento foi refutado tanto pelo setor de segurança quanto pelos órgãos públicos e pelo MP.

Diante do impasse, o parlamentar foi incisivo ao argumentar que não há como resolver um problema tão grande em apenas uma audiência pública. “Vivemos um tempo estranho em que as pessoas se sentem constrangidas de dizer que querem viver em paz, sem serem violadas. Está acontecendo uma inversão de valores. Não podemos criar pessoas que são mais iguais do que os outros. Criminoso tem que ser tratado como criminoso e pessoa em vulnerabilidade tem que ser tratada como vulnerável. Convido a todos para que essa conversa possa ser continuada para virar um plano de ação”, afirmou. Souza destacou que é fundamental que a prefeitura de São José lidere o debate, com a participação efetiva das demais áreas.

Problema social
O juiz do Tribunal de Justiça da 2ª Vara Criminal de São José, Fabio Nilo Bagattoli, foi o primeiro a se manifestar. Na opinião dele, o problema é muito mais social do que jurídico. “O que a justiça pode fazer é contribuir atuando dentro do que a lei autoriza, permite e determina, apurando, averiguando judicial e processualmente a conduta dos suspeitos e aplicar a devida pena, caso se comprove a prática dos crimes”, citou.

André Schafer, integrante do Movimento de População de Rua, afirmou que a pauta é “de nível estadual” e precisava ser trazida para a Alesc. “Parece que violência, furtos, tráfico de drogas é só a população de rua que comete, sendo que esses crimes são relacionados não só a eles, mas com a sociedade em si. Espero que possamos falar em políticas sociais, pois saúde, cultura também importam. A pandemia está levando muitas pessoas para a situação de rua. A violência não vem das ruas, mas do contexto da sociedade”, defendeu.

Dorival Rodrigues dos Santos, presidente da Federação Catarinense dos Catadores de Materiais Recicláveis (Feccat), concordou que faltam políticas públicas para o setor. “Por que não criam galpões de reciclagem para colocar esse pessoal para trabalhar? Usar terrenos baldios para dar espaço. São pessoas que precisam de oportunidade de crescimento, que vivem puxando seu carrinho, sua carroça. Estou há quase 30 anos nessa área. Existe a política nacional de resíduos sólidos, criada pela Lei 12305/2010, e o Decreto 5.940/2006, que determina, por exemplo, que é preciso criar novas formas de associativismo. Por que não chamam movimentos sociais para debater, criar novas oportunidades de emprego? São 20 mil famílias em Santa Catarina, que lutam pela sobrevivência todos os dias. A solução é a classe política chamar a entidade estadual, da qual 70% dos integrantes são mulheres. Não se pode tratar a comunidade carente como bandido, tem pessoas que querem mudar, crescer”, garantiu.

Tendência
Rita de Cássia Cardoso, representando moradores e comerciantes da região, afirmou ter certeza de que a questão social está gerando a insegurança e tende a aumentar se forem consideradas projeções do censo demográfico do IBGE feito em 2010. De acordo com os dados, em 2025 Campinas e Kobrasol terão 34.275 moradores, sendo que cinco anos antes eram 31.387. “É uma área muito populosa, onde está o forte da economia local. A questão econômica tem que estar junto da questão social, afinal São José é considerado um município rico em Santa Catarina, com arrecadação de R$ 260 milhões e 800 mil, sendo o quarto melhor Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDHM) do Estado e está entre os melhores do país. Como é a terceira cidade que mais gera emprego no Estado em 2021, acredito que os moradores de rua não sejam locais, mas que vêm de outras regiões”, comentou.

João Alfredo Freitas Gomes, presidente do Observatório Social de São José, criticou o que considera limitações das políticas públicas de assistência social, habitação, trabalho, emprego e renda e segurança no município. “São apenas 5,4% do orçamento da prefeitura em 2021. Habitação, por exemplo, é o segundo maior problema das pessoas em situação de rua e o valor destinado é de R$ 7,2 milhões. Se dividirmos por 12 meses dá R$ 605 mil. Dá para construir quantas casas? Duas, três? Só que o déficit habitacional é de 8.328 famílias”, destacou. Ele, por outro lado, reconheceu que a população não participa do Conselho de Segurança Pública e dos Conselhos de Bairros.

O comerciante Fausto Isar Barbosa falou sobre a sensação de insegurança “de todos os dias e prejuízos de todas as formas”. Segundo ele, não há expectativa de algo que realmente esteja sendo realizado. Citou a presença de dependentes químicos e criminosos que “estão na rua em uma situação fora de controle, com muitas pessoas dormindo nas ruas, consumindo tóxicos e até praticando atos sexuais em público”. Outro agravante, explicou, são os furtos diários de fios elétricos e relógios medidores de consumo de água. “Isso gera prejuízo para os comerciantes, que ficam sem energia elétrica e água”, lamentou.

O vice-prefeito de São José, Michel Schlemper (MDB), disse que é preciso aplicar a legislação e as forças de segurança têm que agir. “Na comunidade é legítima toda a manifestação. Já participamos de várias reuniões, realizamos muitas ações e conseguimos alcançar alguns resultados. Mas o tema é complexo e não se resolverá só aqui. O Executivo está à disposição para que, em conjunto com os outros entes ligados ao problema, possa se buscar ações. Mas só se pode agir dentro do limite da lei, que é complexa”, ressaltou.

Secretário de Assistência Social de São José, Lédio Coelho confirmou que  a quantidade de famílias vivendo nas ruas está aumentando. “A pasta vem garantindo os direitos  de todos. Sabemos que quem comete crime precisa enfrentar a kustiça, mas a secretaria não pode criminalizar as pessoas que estão passando fome, as mulheres que estão sendo violentadas todos os dias, as crianças e adolescentes que são abusadas pelos pais desempregados. Nunca passamos por um momento tão difícil como agora. Em fevereiro a média era de 200 famílias procurando benefício eventual de cesta básica. Mês passado foram 900”, revelou.

Representando a Secretaria de Assistência Social de Florianópolis, Milene Corrêa afirmou que a prefeitura da capital tem dado todo o suporte para que se consiga trabalhar todas as situações sem rotular, criminalizar ou vitimizar a população em situação de rua. “Fazendo parte de esforços da sociedade civil e do poder público dentro de uma força-tarefa, posso dizer que temos atuado com respeito, humanização e trazendo dignidade para as pessoas”, citou.

Policiamento
Ex-deputado estadual e morador de São José, Roberto Salum avaliou que se cumprir a lei, acaba a violência. “Mas temos que ter cumprir direito de ir e vir para vagabundo e não para pessoa de bem”, comentou antes de indagar qual o tamanho do efetivo da Polícia Militar na cidade.

Áureo Sandro Cardoso, comandante da 11ª Região de Polícia Militar, representando o comandante geral da PM, coronel Dionei Tonet, reconheceu que o momento é grave. “Mas a comunidade não está sozinha. Temos lá o sétimo Batalhão, a Guarda Municipal e a Polícia Civil atuando na região. Mas temos 10 mil policias no Estado para 7 milhões de pessoas”, lembrou.

André Rodrigo Serafin, comandante do 7º BPM de São José, afirmou que a polícia atende todo o município e bairros maiores, como Areias e Serraria, onde há muitas ocorrências também. Ele apresentou dados de queda nos números de roubos (7,725%), de furtos (0,70%) e de aumento na apreensão de armas (2,09%) em relação a 2020 em todo o Estado. “O batalhão registrou 448 roubos em 2020 contra 291 neste ano. O número de furtos caiu de 937 para 826 e as apreensões de armas subiram de 49 para 98. Mas ainda que tenha essa diminuição é inadmissível a continuidade dos casos. Os criminosos têm apoio do crime organizado e de traficantes e estão inseridos e camuflados em uma população vulnerável. Nem todo morador de rua é criminoso e há o grande problema de drogadição”, relatou.

O comandante do 22º BPM de Florianópolis, Maurício Gonçalves Viríssimo, citou que nas trocas dos produtos roubados em São José por drogas na comunidade Chico Mendes, na capital, a venda é feita tanto para pessoas em situação de rua quanto para cidadãos de alta sociedade.

Ane Warmling, comandante da Guarda Municipal de São José, disse que a corporação está atenta aos acontecimentos. “Entre abril e novembro, sete meses, atendemos 1.721 ocorrências e eventos programadas nos dois bairros. Nos últimos 11 dias, por um pedido do prefeito e do vice, e pela demanda da comunidade, iniciamos uma operação intensificando as rondas nos dois bairros. No período, o total de ocorrências e eventos chegou a 1.158 em toda a cidade, sendo 577 eventos programados. Um percentual de 49,82% do policiamento preventivo e combativo dirigido para a área. Mas tem surtido resultados positivos. Temos que buscar entendimento com a comunidade”, explicou.

Gênese histórica
Marcia Arend, promotora da 8ª Promotoria da Moralidade de São José, avalioi que os problemas têm gênese histórica. “Estamos colhendo o que fizemos e o que não fizemos como instituições e como sociedade. Penso que perdemos muito como sociedade algumas pedagogias sobre sentido do valor do trabalho, do valor da família, da devoção para o bem. As instituições atuam no limite da lei e criminosos estão em todas as camadas da sociedade”, ponderou.

Daniel Paladino, promotor de Justiça da 30ª Promotoria de Justiça da Capital, parabenizou o Parlamento pelo apoio e respaldo às iniciativas da força-tarefa DOA (Defesa, Orientação e Apoio à Pessoa em Situação de Rua), citando os deputados Kennedy Nunes (PTB), Moacir Sopelsa (MDB) e Maurício Eskudlark (PL) e a deputada Ada de Luca (MDB). “Eles têm encampado projetos e trabalhado iniciativas muito caras e importantes para que a gente possa trabalhar a questão da redução de danos dessa população. O Ministério Público em Florianópolis contribui para São José e outras comarcas essa experiência que é um case de sucesso, que nasceu da iniciativa da sociedade, por mobilização social, com reuniões de associações de bairros e conselhos de segurança”, destacou.

Ações efetivas
Membros do Poder Legislativo das duas cidades também se manifestaram. O vereador Rodrigo Andrade (PSD), que é morador de Campinas há 40 anos, reclamou que o direito de alguns está ferindo os direitos de milhares. “É preciso termos ações efetivas para cumprir as regras, seja quem for”, afirmou.

O vereador Cryslan de Moraes (NOVO), que trouxe ao deputado Bruno Souza a sugestão para que a audiência pública fosse realizada, citou que, para a situação mudar, a união de esforços é essencial.

A vereadora de Florianópolis Manu Vieira (Podemos) disse que o problema não é de uma cidade, mas regional.  “Precisa ter essa conversa frequentemente. É preciso evoluirmos para mais oportunidades como essa e achar soluções conjuntas”, finalizou.

Redação
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